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Empresários se queixam de falta de funcionários em meio ao mercado de trabalho aquecido no Brasil. Mas será o Bolsa Família o culpado? Estudos trazem algumas respostas. Cartaz afixado em restaurante de São Paulo, que culpava ‘o pessoal do Bolsa Família’ pela falta de funcionários, viralizou nas redes sociais
Reprodução/Redes sociais
“Srs. clientes por favor, tenham paciência, o pessoal do Bolsa Família e da cervejinha não quer trabalhar, estamos com muita falta de funcionários.”
O comunicado foi afixado em meados de março no balcão de atendimento de um restaurante em um shopping na Zona Sul de São Paulo. Fotografado e compartilhado, viralizou nas redes sociais, levando os proprietários do empreendimento a divulgarem um pedido de desculpas oficial.
Na mesma semana, um empreendedor também viralizou nas redes, ao se queixar: “Estou há 6 dias procurando 3 pessoas pra descarregar um container que chegará segunda-feira, não acho, ninguém quer fazer o mínimo de esforço, e olha que tem café ainda depois do serviço. 45 reais pra cada, 950 caixas, café após o serviço, ninguém quer”, reclamou o empresário do ramo de importação.
Os dois casos ocorrem num momento de mercado de trabalho aquecido, com taxas baixas de desemprego, e após o Bolsa Família ter passado por um processo de expansão na esteira da pandemia, que elevou o número de famílias beneficiárias de 13,8 milhões na média em 2019 para 20,5 milhões em março deste ano.
O valor mínimo do benefício também foi ampliado, de R$ 400 ao fim do governo de Jair Bolsonaro (PL), para R$ 600 sob o terceiro mandato de Lula (PT).
Atualmente, são elegíveis ao programa famílias com renda por pessoa de até R$ 218 por mês — atual linha da pobreza oficial.
Para incentivar que os beneficiários tenham empregos, foi criada em 2023 a chamada regra de proteção, que permite que famílias que elevem sua renda até meio salário mínimo por pessoa (R$ 759) possam continuar a receber metade do benefício por até dois anos. Essa regra deve passar por mudanças ainda este mês, segundo o governo (leia mais abaixo).
Os dois episódios de reclamações de empregadores alimentam um debate recorrente, mas que ganhou força no período recente: o Bolsa Família faz com que pessoas deixem de trabalhar? O programa com valor mais alto é culpado pela dificuldade de algumas empresas em contratar no momento atual?
E é verdade que as pessoas de baixa renda não estão mais aceitando qualquer trabalho?
Conversamos com economistas que estão buscando respostas para essas perguntas.
Bolsa Família estimula o emprego formal de mães
Gabriel Mariante, pesquisador de doutorado na London School of Economics (LSE), estudou o efeito do Bolsa Família sobre o mercado de trabalho em 2014 — portanto antes da recente elevação do valor mínimo do benefício para R$ 600.
Sua pesquisa foi premiada como melhor artigo sobre mercado de trabalho de 2024 pela Associação Econômica Europeia e a UniCredit Foundation. Ela mostra que mães que recebem o Bolsa Família têm maior probabilidade de conseguir um emprego no mercado de trabalho formal, comparado às que não recebem — já para os homens, o programa não tem efeito significativo na empregabilidade.
Pesquisa premiada mostrou que, em 2014, mães que recebiam o Bolsa Família tinham maior probabilidade de conseguir um emprego formal
Lyon Santos/ MDS
No seu estudo, Mariante analisou uma reforma feita pelo governo Dilma Rousseff (PT) em 2014, que aumentou a cobertura do Bolsa Família, ao reajustar as linhas da pobreza e da extrema pobreza, usadas como parâmetro para definir quem tem direito ou não ao benefício.
Com a mudança, o governo elevou a linha da extrema pobreza de R$ 70 para R$ 77, incluindo no programa um grupo de famílias que antes não recebia a transferência de renda, e então passou a receber.
“Essa reforma cria grupos muito parecidos de famílias, em que a única diferença é estar um pouco acima ou um pouco abaixo dessa linha que o governo estabeleceu, e esses grupos são comparáveis”, explica Mariante, citando o exemplo de uma família com renda mensal por pessoa de R$ 76, e outra com renda por pessoa de R$ 78.
“Então, eu observo os membros dessas famílias que receberam o Bolsa Família como resultado dessa reforma, com membros de famílias que não receberam, mas por pouco, e comparo a evolução dessas pessoas no mercado de trabalho formal ao longo do tempo”, diz o pesquisador.
O que Mariante encontrou é que, para os homens, não há diferença significativa em termos da participação no mercado de trabalho.
“Já as mulheres que recebem o Bolsa Família têm uma probabilidade 7,4% maior de estarem inseridas no mercado formal do que mulheres que não recebem e, nesse grupo, o efeito está concentrado em mães de crianças pequenas, principalmente com filhos na faixa etária de 3 a 7 anos, ou seja, em idade pré-escolar.”
Segundo o pesquisador, isso sugere que o dinheiro do Bolsa Família ajuda as mães de crianças pequenas a arcar com custos ligados à educação dos filhos, como transporte, material escolar e atividades ou cuidados após a escola.
Com isso, as crianças vão à escola ou creche e as mães podem trabalhar, eliminando uma barreira que mantinha essas mulheres fora do mercado de trabalho.
“Se esse mecanismo é real, de superação de barreiras para entrar na força de trabalho, o que ele revela é que, quando essas barreiras são superadas, as pessoas querem trabalhar”, diz Mariante.
Do Bolsa Família à carteira assinada
Rosilene Martins Silva, de 30 anos e moradora de Anastácio (MS), é um exemplo disso.
Mãe solo de duas crianças, de 8 e 2 anos, ela passou a receber transferência de renda — à época, o auxílio emergencial — ainda em 2020, após ter perdido seu emprego numa fábrica de kani (alimento à base de peixe típico da culinária japonesa).
“Nunca chegou a faltar nada, porque minha família ajudava, mas eu vivia com menos de mil reais, eram R$ 700 do Bolsa Família e mais alguma coisa da pensão do meu filho. Era bem apertado”, lembra a mãe de família.
Rosilene conta que nunca parou de trabalhar nesse meio tempo, fazendo os bicos que apareciam. Mas, desde o ano passado, ela conseguiu um emprego com carteira assinada como empregada doméstica.
Recebendo um salário mínimo (R$ 1.518), ela entrou para a regra de proteção do Bolsa Família, tendo seu benefício reduzido à metade nos últimos quatro meses.
Agora, o benefício serve para ela como um complemento ao salário, que ajuda a doméstica na compra do necessário para seus dois filhos.
Famílias que têm um aumento de renda após algum membro conseguir um emprego passaram a contar com a regra de proteção do Bolsa Família
Agência Brasil/Arquivo
Apesar da redução no benefício, Rosilene fala sobre a satisfação em voltar a ter um emprego: “Foi muito bom, porque você tem uma renda melhor para se sustentar.”
Ela relata, porém, que as críticas a quem recebe Bolsa Família são frequentes.
“Infelizmente, é o que a gente mais ouve, que quem recebe Bolsa Família não quer saber de nada, quer mordomia, só quer receber dinheiro do governo”, relata.
“As pessoas acham que quem pega Bolsa Família não trabalha, vai gastar à toa… Mas não é isso, é uma ajuda”, considera a beneficiária.
Menos mulheres e jovens no mercado de trabalho
Mas, se ainda com um valor mais baixo, o Bolsa Família ajudava as mulheres a trabalharem mais com carteira, conforme o estudo do pesquisador da LSE, o que está acontecendo agora no mercado de trabalho, depois que o programa teve seu valor mínimo elevado a R$ 600 e o número de beneficiários ampliado?
Em um artigo publicado em novembro, os economistas Leandro Siani Pires e Fábio José Ferreira da Silva, do Banco Central, analisaram o comportamento da taxa de participação na força de trabalho — a proporção da população em idade de trabalhar (com 14 anos ou mais) que está de fato empregada ou em busca de trabalho.
Esse indicador é acompanhado de perto pelos economistas, porque é uma medida da capacidade do país de gerar renda e produzir bens e serviços.
Usando dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua do IBGE, Pires e Silva observam que, entre 2019 e 2023, a taxa de participação média anual recuou 1,5 ponto percentual, passando de 63,9% para 62,4%
Os dados de 2023 são os mais recentes disponíveis para a Pnad que incluem rendimentos de todas as fontes, para além da renda do trabalho, o que permite analisar especificamente os beneficiários de programas sociais.
Analisando essa variação nas diferentes faixas de renda, e comparando quem recebe e quem não recebe Bolsa Família, os pesquisadores constataram que essa taxa de participação na força de trabalho caiu mais nos grupos de menor renda e entre beneficiários do programa.
“Os exercícios sugerem que a ampliação de benefícios sociais está associada com a queda da taxa de participação entre 2022 e 2023”, observam Pires e Silva em seu estudo — ou seja, de fato, a parcela de pessoas trabalhando ou em busca de emprego está menor desde que o Bolsa Família aumentou, segundo os pesquisadores.
Empresários se queixam de dificuldade para contratar em meio ao mercado de trabalho aquecido no Brasil
Thais Carrança/BBC
Daniel Duque, pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre), realizou análises semelhantes e constatou que os grupos mais afetados por essa queda da taxa de participação na força de trabalho são mulheres e jovens. Mas isso não é necessariamente algo negativo para a economia do país, destaca.
“No caso das mulheres, por exemplo — é claro que há toda a questão dos papéis sociais e de gênero —, isso vai permitir maior cuidado com a família e com as atividades domésticas, o que pode ter um impacto positivo sobre as crianças”, diz Duque.
“E, no caso dos jovens, isso está relacionado com uma maior taxa de matrícula [em instituições de ensino] nas regiões em que houve maior expansão do Bolsa Família. Então, isso, no longo prazo, vai ter um efeito econômico positivo devido ao aumento de capital humano”, completa.
Duque observa, porém, que isso ajuda a explicar porque alguns empregadores têm tido dificuldade de contratar, particularmente no setor de serviços, como restaurantes.
“É natural que essa dificuldade aconteça”, diz Duque. Isso porque a queda na taxa de participação reduz a oferta de trabalhadores e obriga esses setores a aumentar salários para atrair novos funcionários, diz o economista.
“Não à toa, estamos vendo uma recuperação gradual, bem lenta, mas consistente, na taxa de participação junto com o aumento de salários.”
‘Mais pobres não aceitam mais receber tão pouco’
Marcos Hecksher, pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), também buscou entender melhor o que está acontecendo por trás da queda da taxa de participação na força de trabalho observada no período recente.
Analisando dados da Pnad, ele constatou que, de fato, a taxa de participação na força de trabalho (que inclui pessoas ocupadas e aquelas desocupadas, mas em busca de trabalho) caiu 2,3 pontos percentuais (p.p.) para beneficiários do Bolsa Família entre 2019 e 2023. Foi de 57,8% para 55,5% — queda maior do que a observada entre não beneficiários, que foi de 0,9 p.p. no mesmo intervalo de tempo.
Mas, no mesmo período, a taxa de ocupação dos beneficiários do programa (que inclui ocupados formais e informais) aumentou ligeiramente, de 46,3% para 46,8%.
O gráfico abaixo mostra como a queda na taxa de participação e o aumento da ocupação aconteceram ao mesmo tempo, o que indica, segundo Hecksher, que os beneficiários do Bolsa Família não estão trabalhando menos.
Menos participação, mais ocupação na força de trabalho
BBC News Brasil
A queda na taxa de participação aconteceu porque parte dos beneficiários está agora fora da força de trabalho (não trabalham, nem procuram emprego), o que contribuiu para a redução da parcela de desocupados — que, na definição do IBGE, são as pessoas que não estão trabalhando no momento, mas procuram emprego.
Ao mesmo tempo, a parcela de beneficiários do Bolsa Família empregados formalmente aumentou de 12,6% para 14,8% no período, conforme mostra o gráfico abaixo.
Duque, da FGV, lembra que o Bolsa Família ajuda nessa criação de empregos, ao movimentar a economia. Um estudo do Ipea de 2013 mostrou, por exemplo, que cada R$ 1 gasto com Bolsa Família gera um efeito multiplicador de R$ 2,40 sobre o consumo das famílias e adiciona R$ 1,78 ao Produto Interno Bruto (PIB) do país.
Mais beneficiários do Bolsa Familia estão trabalhando com carteira assinada
BBC News Brasil
Ainda com base nos dados da Pnad, Hecksher observa que, entre as pessoas que estão fora da força de trabalho diminuiu a parcela dos que dizem que estão nessa condição porque não encontram trabalho na sua localidade e aumentou a dos que dizem que não encontram trabalho que consideram adequado.
“Isso é mais um sinal de que algumas pessoas, sobretudo os informais, não estão topando receber tão pouco”, observa Hecksher.
“Mas a proporção de pessoas pobres com emprego formal aumentou. Então, não é que os pobres estão deixando de trabalhar ou que sejam preguiçosos. É que, realmente, o Bolsa Família garante que as pessoas tenham um mínimo e possam não ter que aceitar qualquer condição de trabalho.”
Jefferson Brito, de 36 anos, conta que começou a receber o Bolsa Família após perder o emprego em um supermercado na Bahia, ainda em 2020.
No período em que ficou desempregado, se mudou para um sítio, onde passou alguns anos ajudando o pai a construir uma casa e fazendo bicos sempre que oportunidades apareciam, contando com a renda do benefício nesse período.
No ano passado, Jefferson voltou a ter carteira assinada, graças a uma parceria do grupo Carrefour com o governo federal para contratação de pessoas registradas no CadÚnico (cadastro geral do governo para pessoas de baixa renda) ou beneficiárias do Bolsa Família.
“Para mim, foi uma superação, depois desses anos [desempregado], voltar ao mercado de trabalho e me engajar na carreira novamente”, conta o atual líder da sessão de frios em um supermercado paulistano.
‘Para mim, foi uma superação voltar ao mercado de trabalho’, diz Jefferson, ex-beneficiário do Bolsa Família que atualmente trabalha em um supermercado
Divulgação/Grupo Carrefour
Regra de proteção: problemas e mudança à frente
Assim como Rosilene, Jefferson entrou por alguns meses na regra de proteção do Bolsa Família, passando a receber metade do benefício, até deixar o programa, por conta do seu aumento de renda com o novo emprego no supermercado.
Hecksher, do Ipea, observa que o mecanismo de proteção tem sido um dos fatores a incentivar o emprego formal de beneficiários do Bolsa Família no período recente.
“A nova regra acaba incentivando as pessoas a buscarem emprego formal e manterem o Bolsa Família ou ao menos metade dele”, observa o economista.
Mas a regra de proteção atualmente também tem problemas, considera a assistente social Paola Carvalho, diretora de Relações Institucionais da Rede Brasileira de Renda Básica. Ela está à frente do projeto Ju do Bolsa, que usa inteligência artificial para tirar dúvidas de beneficiários do Bolsa Família.
Carvalho diz que, entre esses problemas, está a demora para que trabalhadores que perdem o emprego tenham o benefício integral restabelecido.
Outro problema, diz ela, é a queda abrupta do valor à metade, o que poderia ser corrigido, na sua visão, com uma redução mais gradual.
Ao fim de março, o governo publicou um decreto alterando algumas regras do Bolsa Família e indicando mudanças no mecanismo de proteção.
Até então, caso a renda familiar por pessoa aumentasse para até meio salário mínimo (R$ 759), o titular do Bolsa Família ainda receberia 50% do benefício, por até dois anos.
O decreto estabeleceu que, agora, tanto o teto máximo de renda para as famílias serem beneficiadas pela regra de proteção, quanto o período durante o qual elas receberão metade do benefício serão determinados por uma normativa do Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome (MDS). Por conta disso, são esperadas mudanças nesses parâmetros.
Segundo a assessoria de comunicação do MDS, essa normativa com as novas regras deve ser publicada ainda este mês, mas sem data definida.
Gráficos feitos por Carla Rosch, da equipe de Jornalismo Visual da BBC Brasil
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