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14/08/2025
Brasil é um dos maiores exportadores de alimentos do mundo
Reprodução/TV Globo
Mandar produtos brasileiros para um país intermediário e, de lá, enviá-los para os EUA poderia ser uma alternativa para o Brasil escapar da tarifa de 50% imposta por Trump? Não, disseram advogados ouvidos pelo g1.
Esse tipo de ação é ilegal e pode sair caro para os importadores norte-americanos, que são os que pagam o tarifaço quando compram produtos estrangeiros.
Na chamada triangulação, o país de origem mandaria o produto para um destino intermediário, por exemplo algum país que tenha sobretaxa menor do que o Brasil. E, de lá, o produto embarcaria para o país de Trump, com os importadores pagando apenas a taxa correspondente à daquele fornecedor.
O Brasil recebeu a maior sobretaxa do governo Trump, de 50%. Apenas a Índia tem um tarifaço semelhante.
“Um exemplo [do que seria ilegal] é a empresa simular para os EUA que a mercadoria veio do México, quando, na verdade, ela é brasileira. Assim, paga as taxas de importação do México, não do Brasil”, descreve Renata Emery, advogada especializada em direito tributário do escritório TozziniFreire, em São Paulo.
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A triangulação de exportações viola princípios da Organização Mundial do Comércio (OMC), que determina que a mercadoria deve pagar taxas correspondentes ao seu país de origem, explica William Crestani, especialista em direito tributário do escritório Pinheiro Neto Advogados, em São Paulo.
Renata Emery também destaca que a prática foi explicitamente proibida por um decreto assinado por Trump em 31 de julho, na mesma semana em que ele confirmou as sobretaxas ao Brasil e a outros países.
Segundo a decisão, empresas flagradas tentando a manobra terão que pagar a tarifa do país de origem, uma taxa adicional de 40%, além de outras possíveis penalidades.
“Para o exportador brasileiro, o efeito é indireto. Como o importador não vai querer assumir esse risco, mesmo que uma empresa do Brasil queira triangular, não vai encontrar compradores norte-americanos dispostos a isso”, diz.
Mudar local de industrialização é permitido
Os especialistas explicam que até existem maneiras legais de o produto sair do Brasil, passar por outro país e chegar aos EUA sem estar sujeito à tarifa de 50% sobre os itens brasileiros.
Uma delas é enviar a carga para outro país e transformá-la significativamente por lá, processo conhecido como industrialização.
“Se houver uma transformação relevante, ele pode ter a origem no país onde passou por essa mudança e, consequentemente, pagar as tarifas daquele país”, explica o advogado tributarista William Crestani.
O problema, segundo ele, é que:
Os EUA não definem claramente o que é uma transformação substancial, e cada caso precisa ser analisado individualmente, sem garantia de que a alfândega dos EUA aceite.
Mudar a cadeia produtiva é caro e complexo, viável apenas para empresas que já tenham estruturas capazes de fazer transformações substanciais no produto em outros países.
Entre os setores brasileiros, Crestani aponta que a carne bovina teria mais chances de se enquadrar.
“Um boi transportado vivo para outro país, onde é abatido, embalado e só então vendido para os EUA, tem mais chances de ser considerado um novo produto, com nova tarifa”, afirma.
“Além disso, alguns frigoríficos brasileiros já têm operações em outros países, principalmente, da América do Sul”, diz.
Frigoríficos que operam dentro e fora do Brasil
JBS, Marfrig e Minerva estão entre as maiores exportadoras brasileiras de carne bovina, com operações dentro e fora do Brasil.
Marfrig e Minerva afirmam que não dependem exclusivamente dos seus frigoríficos brasileiros para atender ao mercado norte-americano.
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A Minerva envia seus produtos pelas suas indústrias na Argentina, no Paraguai, no Uruguai e na Austrália.
Um dia depois do anúncio do tarifaço de 50%, a empresa divulgou para o mercado que a medida poderia afetar no máximo 5% de sua receita total.
E que, no último ano, as vendas para os EUA representaram 16% do faturamento, sendo que o Brasil respondeu por apenas 30% dessa fatia.
Como o tarifaço de Trump impacta nas exportações de carne bovina do Brasil?
A Marfrig manda carne para o país de Trump a partir de plantas no Uruguai e na Argentina.
A empresa informou os investidores que, em 2025, as exportações de carne bovina e processados do Brasil representaram somente 1,4% das vendas totais da companhia na América do Sul e 0,18% de toda a operação global.
Marfrig e JBS também têm operação nos EUA. Em entrevista à Reuters, o CEO global Gilberto Tomazoni afirmou que a JBS responde por cerca de 15% das exportações brasileiras de carne bovina para lá.
Questionada pelo g1, a empresa não informou de quais países partem os embarques para os EUA, além do Brasil. A JBS também tem unidades no México e na Austrália.
Ela passou a negociar suas ações na Bolsa de Nova York em junho e anunciou novos investimentos nos EUA nesta quinta-feira (14), incluindo US$ 200 milhões em plantas no Texas e no Colorado.
Vale lembrar que os rebanhos dos americanos estão no nível mais baixo da história, o que tem feito as compras do alimento de países estrangeiros dispararem — e o preço da carne nos EUA também.
A própria JBS prevê que a disponibilidade de gado nos EUA vai melhorar gradualmente apenas a partir do final de 2027, relatou Reuters nesta quinta-feira (14).
Quantidade de bois no território americano ao longo dos anos.
Arte/g1
Outro fator que afeta a operação de carne bovina da JBS nos EUA é o fechamento da fronteira com o México, em maio, devido à ocorrência da bicheira-do-Novo Mundo, um parasita.
Apesar de menos impactadas pelo tarifaço, Marfrig e JBS têm articulado com empresas e com o governo dos EUA para livrar a carne bovina brasileira da sobretaxa, afirmou o presidente da Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carne (Abiec), Roberto Perosa, em evento na Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp), no último dia 12.
Rota europeia para o café brasileiro
O setor cafeeiro do Brasil não tem tantas operações no exterior como os exportadores de carne bovina, segundo o advogado tributarista William Crestani.
Mas existem países que compram o grão brasileiro para fazer modificações, industrializar, e, em seguida, reexportar, segundo o Conselho dos Exportadores de Café do Brasil (Cacafé).
A Alemanha é um exemplo. Sem produção significativa de café, o país é o segundo maior importador do grão brasileiro no mundo, atrás apenas dos EUA, mas também é um grande vendedor de café.
Café brasileiro à venda em uma loja de produtos importados em Nova York em 15 de julho de 2025
Adam Gray/Reuters
O país europeu foi o maior reexportador do produto entre maio de 2024 e abril de 2025, com 13 milhões de sacas vendidas, segundo a Organização Internacional do Café, que mapeia esse tipo de operação.
O Cecafé destacou que a reexportação é uma iniciativa dos importadores, como a Alemanha, e não dos exportadores da matéria-prima, como o Brasil.
Com o tarifaço, esse cenário deve se intensificar, afirmou o economista José Roberto Mendonça de Barros no podcast O Assunto (ouça abaixo) da última quinta.
Segundo ele, o exportador brasileiro vende o grão, por exemplo, para um produtor europeu que vai transformar isso em café pronto, na lata. “A Europa faz muito isso. Esse café entra lá e, de lá, vai para os EUA. Isso eu acho que vai acontecer”, diz.
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Fonte: G1 Read More