Lula patina na diplomacia, perde status de ‘salvador da democracia’ e já é visto com outros olhos pelo Ocidente
03/06/2023Lula patina na diplomacia, perde status de ‘salvador da democracia’ e já é visto com outros olhos pelo Ocidente
03/06/2023Em cinco meses de governo, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que prometeu focar na política externa no seu terceiro mandato — e tem viajado bastante para cumprir com sua palavra —, ainda não viu seus esforços surtirem efeitos, apesar de já ter se reunido com mais de 30 líderes mundiais e passado mais de 20 dias fora do país. O petista se tornou o presidente que mais viajou ao exterior desde a redemocratização, como mostrou reportagem da Jovem Pan, e esteve com mais chefes de Estado do que com integrantes do Congresso. Uma situação que já não é favorável pode ficar ainda mais complicada. A cada novo encontro, as declarações de Lula provocam ruídos e críticas à política externa brasileira. A mais recente foi em relação à volta da aliança entre Brasil e Venezuela, em que o líder brasileiro disse que o autoritarismo de Nicolás Maduro era uma “questão de narrativa”. Um dia após sua declaração, ele ouviu, em Brasília, críticas dos presidentes do Uruguai, Luis Lacalle Pou, e do Chile, Gabriel Boric, durante a reunião de líderes sul-americanos. Os especialistas ouvidos pela Jovem Pan temem o rumo que o país pode tomar. Quando Lula ganhou a eleição, em outubro de 2022, foi visto por uma boa parte do mundo — sobretudo a Europa — como o salvador da democracia do Brasil. Em poucos meses, tornou-se um personagem político que flerta com ditadores, já é visto como um parceiro não confiável e corre o risco de transformar o Brasil em um Estado pária.
Carlo Cauti, professor de relações internacionais do Ibmec-SP, diz que o saldo da política externa brasileira até o momento “é zero”, apesar dos embarques para Argentina, Uruguai, Estados Unidos, China, Emirados Árabes, Portugal, Espanha, Reino Unido e Japão. “Não mudou absolutamente nada, não teve ganhos concreto efetivo dessas peripécias internacionais”, pontua. Na última viagem, para Hiroshima, Lula foi criticado por não querer apertar a mão de Volodymyr Zelensky — ficou marcada a imagem dele mexendo em papéis enquanto outros líderes cumprimentavam o presidente da Ucrânia. A má vontade com Zelensky já havia motivado protesto de portugueses em Lisboa. Apesar de ser um assunto recorrente, ainda não há nenhum tipo de sinalização que o acordo de livre comércio com a União Europeia vai ser, de fato, assinado. Na visita do presidente à China, nenhum grande acordo comercial saiu, com exceção da eliminação das restrições para a compra de carnes brasileiras de frigoríficos que estavam embargados até a chegada de Lula ao país. Em relação à breve passagem do petista pelos Estados Unidos e seu encontro com o presidente Joe Biden, foi ainda pior. “O Brasil tirou poucos milhões de dólares que eles deram para o Fundo Amazônia, que são, de fato, migalhas para o orçamento público americano e migalhas também para o Fundo Amazônia, que tem bilhões de dólares investidos pela Noruega e pela Alemanha”, aponta Cauti.
Para o especialista, visitar outros países e se encontrar com líderes é “sempre bom”, principalmente após os anos de restrições devido à pandemia da Covid-19. Contudo, ele pontua que esse excesso de viagens é uma forma de Lula tentar equilibrar os problemas internos, porque não tem a maioria no Congresso. “Ele está, de fato, fugindo para o exterior para evitar enfrentar os problemas brasileiros. Tanto é que tem mais encontros com líderes internacionais do que com representantes da Câmara do Senado aqui no Brasil”, conclui Cauti. O cientista político Leandro Consentino destaca que, nesses primeiros meses de governo, é positivo o Brasil voltar para a comunidade internacional. Mas, em compensação, há pontos negativos, sobretudo na esfera ambiental. Vale lembrar que recentemente houve um desmonte do Ministério do Meio Ambiente, comandado por Marina Silva. Em cinco meses, a política externa de Lula se mostra ambígua e não disse a que veio. “Ainda precisamos deixar uma marca importante, sobretudo porque parece que a política externa atual é feita com os ‘olhos pelo retrovisor’, voltada para trás, não para o futuro.”
O cientista político também afirma que os posicionamentos equivocados do presidente Lula podem prejudicar o país porque geram desconfiança de investidores e potências internacionais que ainda não sabem “qual apito o Brasil toca”. “Sinaliza uma falta de compromisso, por exemplo, com as democracias, algo que o governo sempre fez questão de se posicionar diferentemente do líder anterior”, observa Consentino. Cauti alerta que esses tropeços de Lula podem ir além da desconfiança de parceiros internacionais. Há o risco de se criar um temor de que o Brasil possa estar caminhando em uma direção de venezuelização, seja na economia ou na política. “Passamos de um país com uma democracia criticada e com um líder controverso, que era alvo de críticas internacionais, para um país que tem um novo presidente, que no começo foi exaltado pela mídia internacional como salvador da democracia do Brasil, mas que agora tem se tornado um personagem político que esta flertando com ditadores”, diz o professor. “Muita gente na Europa está se questionando se, de fato, o verdadeiro risco de o Brasil se tornar uma ditadura vinha de Bolsonaro. Porque a atual situação do país faz com que, lentamente, esteja se transformando em um Estado pária.”
Rui Tavares Maluf, cientista político, destaca a fala do presidente Lula desta semana sobre a ditadura na Venezuela. Para ele, “toda fala do presidente é de um militante político, não de um chefe de Estado”. Uma conduta, principalmente nos últimos dias, que vão contra o próprio discurso lulista em defesa da democracia durante as eleições 2022. Maluf destaca que é salutar que o Brasil tenha relações diplomáticas com a Venezuela ou qualquer país do mundo — concorde-se com a política vizinha ou não. “Porém, exaltar Maduro e falar que ditadura é uma questão de narrativa é algo vergonhoso, não tem como negar que a Venezuela é autoritária.” O especialista também critica o posicionamento brasileiro de querer tomar à frente nas negociações de paz para mostrar que o Brasil é um país pacifista. No contexto da guerra entre Rússia e Ucrânia, não dá “para posar de bom moço”, diz Maluf. Apesar do interesse da comunidade internacional em se relacionar com o Brasil, a boa vontade tem duração e prazo de validade. Se as coisas seguirem da forma como estão hoje, é provável que os países não continuem com um olhar positivo. “A própria democracia brasileira pode se fragilizar pela conduta do presidente no contexto internacional.”
Fonte: Jovem Pan Read More